12.10.07

In Rainbows: um veredicto



No fim do arco-íris, o que encontramos? Breu.

Depois de ouvir algumas dezenas de vezes o esperadíssimo In Rainbows (***), já dá para chegar a algumas conclusões. A primeira: estratégias terroristas de distribuição à parte, este não é um álbum revolucionário como Ok Computer e (principalmente) Kid A. A partir de Kid A, aliás, o Radiohead parece ter construído um playground musical visitado desde então. Daí o segundo veredicto, que deve aborrecer aos fãs mais aflitos: este disco é um prolongamento, uma seqüência - tanto dessas experiências obsessivas com "paisagens sonoras" quanto das emoções desnudadas, cruas, de The Eraser, projeto solo de Thom Yorke.

Por isso mesmo, o álbum remete aos climas e a proposta de Amnesiac, a (ótima, por sinal) continuação de Kid A. Mas está longe de representar só isso. Depois de ter rompido artisticamente com as expectativas da indústria fonográfica, agora o Radiohead termina o trabalho ao quebrar a cadeia comercial com um disco que, nas mãos de uma EMI da vida, seria vendido da forma mais errada. Como comercializar In Rainbows? Muito difícil. Este é um álbum-casulo criado como peça de um quebra-cabeças que a banda contrói aos poucos, sem preocupações com cobranças alheias - lançado no vale-tudo das lojas de discos, provavelmente seria devorado pelos leões.

Coerente com um processo criativo que vem lá de Kid A, In Rainbows também é composto de estilhaços. Deixa a impressão de que cada faixa foi trabalhada exaustivamente em estúdio como organismo independente, com exigências próprias (bem diferente dos conceitos de Ok Computer e, em menor escala, The Bends). Se em Kid A elas todas apontavam para uma imagem de um mundo também fragmentado e desiludido (se você quiser um álbum para começar a entender o início do século 21, é esse), In Rainbows abre uma diversidade maior de temas. Um painel não tão disparatado quanto o de Hail to the Thief, mas que parece agora se voltar para dentro, para questões existenciais, amorosas, sexuais.

É fácil entender as comparações que se faz (e se fará) do disco com os procedimentos da soul music: faixas como House of Cards, All I need e Nude buscam em acordes repetitivos e calorosos, típicos do gênero, o caminho para a intimidade. "Eu não quero ser seu amigo, só quero ser seu amante", avisa Yorke, em House of Cards. Nude vai na carne: "Você vai pagar pelos seus pensamentos sujos" (e tem gente por aí interpretando a letra como um poema para a pornografia, ou para masturbação).

Yorke avisou que trata-se de um disco para o momento em que, sentados no metrô, nos perguntamos sobre o sentido da vida que levamos. Mas todos os álbuns do Radiohead, de certa forma, não sugerem esse tipo de neura? In Rainbows troca a paranóia generalizada por um desconforto mais pessoal, interno. "Estou preso neste corpo e não consigo sair", observa Bodysnatchers. "Como fui terminar onde eu havia começado? Como fui terminar onde tudo havia dado errado?", questionam os primeiros versos de 15 Step. O álbum segue nessa escuridão, com flashes rápidos de otimismo. "Atingi o fundo, e só então escapei", conclui Weird Fishes/Arpeggi.

No final de Bodysnatchers, Yorke nos acalma. Aos gritos de "I'm alive", ele resiste. Mas, se In Rainbows deixa um gosto, é amargo: a agonia não acaba, apenas se transforma enquanto o homem doente amadurece. Certa vez, eles avisaram que começar um novo disco sempre parecia uma tarefa assustadora, um salto no vazio. In Rainbows é, como os álbuns anteriores, retrato de um momento. Agora, de um instante psicológico, de um mal-estar tão particular que talvez nem todos nós tenhamos o direito de compartilhar.

Baixe! O álbum inteiro, no site oficial.

O álbum In Rainbows foi lançado de forma independente pela banda. Estima-se que tenha sido baixado 1,2 milhão de vezes apenas no dia do lançamento, 10 de outubro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Acho que é o disco mais caloroso que eles fizeram até hoje (mais do que o Ok Computer, até - mas eu só ouvi uma vez, é bom ressaltar), devido principalmente às letras, como você notou. Mas acho que melodicamente o In Rainbows funciona como continuação do projeto dos caras, especialmente do Hail to the Thief (a união do experimentalismo do Kid A com a beleza do Ok Computer e tal), juntando a isso novas referências (o r&b, como você também observou). Ou será que o In Rainbows marca uma nova fase na carreira da banda, bem mais pessoal? Enfim, eu não entendo, e nem precisa, contanto que eles continuem fazendo as músicas mais belas possíveis.

Anônimo disse...

Mas se bem que todas as letras do Radiohead são pessoais; a diferença é que antes eles se fixavam mais no meio externo.

Diego Maia disse...

Nossa. Ótimo texto, Tiagão.

Tiago Superoito disse...

Rodrigo, as letras sempre foram pessoais. Mas se você pega um "Airbag", um "Paranoid android" ou um "Everything in its right place", você nota um comentário sobre um certo estado de coisas, uma insatisfação no mundo. O "In Rainbows" me parece remeter a uma insatisfação com o próprio corpo, com os próprios sentimentos, algo bem mais pessoal (e muito parecido, por isso, com "The eraser").

Valeu, Diego. Tá na hora de vc escrever alguma coisa pro blog, né? hehe.